quinta-feira, 26 de março de 2015

128 - Reflexões Lácteas

Madona Litta,  Leonardo da Vinci 
As imagens da Virgem amamentando o seu filho divino representam na iconocrafia cristã Nossa Senhora do Leite (1). 
Jesus Cristo é o filho de Deus Pai. Foi concebido no ventre da Virgem Maria por obra do Espírito Santo. A maternidade santificou Maria.  A Mãe divina simboliza a sublimação do instinto e a harmonia mais profunda do amor. Maria exprime uma realidade histórica, não é um símbolo nos dogmas da Igreja católica. Este dogma coloca igualmente em relevo o enraizamento direto de Jesus na natureza humana de sua mãe e na natureza divina de seu Pai. Maria é filha de seu filho, na medida em que ele é Deus, seu criador. 
Na tradição católica existe um milagre relacionado às gotas do leite de Maria. Conta-se que durante a fuga para o Egito, enquanto Maria amamentava o menino Jesus algumas gotas de seu leite caíram e espirraram na parede, envolvendo de cor branca o interior da gruta onde estavam. Reza a lenda que beber um pouco do pó desta rocha misturado com água faz aumentar a fertilidade e a quantidade de leite na mulher. Santa Paula erigiu uma capela neste local, em Belém, Palestina, que ficou conhecido como Gruta do Leite. Hoje existe ali uma capela construída no século XIX por frades franciscanos (2). 
A Gruta do Leite é símbolo do corpo materno divinizado, na medida que é um receptáculo protetor. A cor branca (presente no leite e na sua parede) é a cor da teofania (da manifestação de Deus), é a cor da revelação, da graça.
É branco o semen, símbolo da força da vida, e o leite, que nutre e sustenta a vida.
O pintor e teórico de arte russo W. Kandinky (1988-1944), para quem a questão das cores ultrapassa a questão estética, considerava que o branco produzia o mesmo efeito do silencio absoluto. 


                                      No Branco, 1920 ( FOTO: Fabio Motta)
"Esse silencio não está morto, pois transborda de possibilidades vivas... É um nada, pleno de alegria juvenil, ou melhor, um nada anterior a todo nascimento, anterior a todo começo."

As gotas de leite são igualmente reverenciadas na mitologia grega. 
Hera (Juno) pelo seu casamento com Zeus tornou-se senhora do Olimpo, a rainha dos deuses e dos homens, dominadora do céu e da terra. Héracles (Hércules) é filho do deus Zeus (Júpiter) com a mortal Alcmena.  Héracles foi odiado e perseguido por Hera, mas tornou-se imortal por ter sido amamentado por ela. Quando Hera afasta Héracles furiosamente do seu peito, as gotas de leite jorram no espaço fazendo surgir a Via Láctea (3).
Em várias tradições de diferentes culturas a Via Láctea (do latim, "caminho de leite") aparece como um local de passagem de origem divina unindo mundos divino e terrestre. (4)
NOTAS:
1)As mais antigas imagens de Nossa Senhora do Leite datam do final da Idade Média, quando se observa na arte a humanização dos temas religiosos e a tendência cada vez maior de ver em Maria mais a Mãe do que a Rainha do Céu em majestade, como acontecera nos períodos românico e bizantino. Geralmente, na época do gótico tardio, as figuras da Maria dando de mamar a Jesus menino, se enquadram nas cenas de descanso da fuga para o Egito, como se pode observar no retábulo da igreja de São Pedro, em Hamburgo, obra do mestre Bertram. A partir do Renascimento este assunto é abordado também na pintura italiana, como exemplos, a Madona Litta (foto acima), que se encontra no museu de Leningrado, atribuída ao grande Leonardo da Vinci e a Madona da Almofada Verde, de Andrea Solario, do século XV, que representa Jesus menino sendo alimentado por sua Mãe, deitado sobre uma almofada daquela cor;
2) FONTE:  http://www.joaoleitao.com/viagens/2008/03/07/gruta-do-leite-belem-palestina/
3)Ver postagem 125 - "A  Via Láctea, o caminho de leite", deste blog;
4) FONTE:Dicionário de Símbolos, Jean Chevalier e Alan Gheerbrant;
5) Foi colocado ao lado dos nomes dos deuses da mitologia grega, entre parenteses, os nomes correspondentes na mitologia latina.

terça-feira, 17 de março de 2015

127- Via Láctea e as amas-de-leite (3/3)

Fig.1- O futuro rei Luis XIV, o Rei Sol,  e sua ama-de-leite

Ama era, em geral, uma serviçal que cuidava das crianças da nobreza ou das famílias mais abastadas. Era responsável por todos os detalhes envolvendo o bem-estar da criança, como alimentação, higiene e vestimenta. Frequentemente era ela também que zelava pelos aspectos lúdicos e educacionais.
Quando a ama amamentava a criança que tinha sob seus cuidados, era chamada ama-de-leite. Quando a amamentação não se incluía entre suas responsabilidades, era  ama-seca.
Como sua convivência com a criança fosse por vezes mais constante até mesmo do que a da própria mãe biológica, frequentemente criavam-se laços afetivos duradouros entre a criança e sua ama, a quem considerava, não raro, como uma segunda mãe.
No Brasil, a ama-de-leite ficou associada historicamente à escravidão, quando era comum os senhores engravidarem suas escravas na mesma época que engravidavam suas esposas, para que elas amamentassem seus filhos.

Fig.2 - A Negra, Tarsila do Amaral

A tela A Negra foi pintada por Tarsila do Amaral (1) em 1923, quando estudava em Paris. Apresenta elementos cubistas em sua composição e é considerada a obra antecessora da Antropofagia (2). 
Tarsila buscou mostrar em sua arte um ambiente tipicamente do Brasil tropical. Essa figura de mulher negra fez parte da infância de Tarsila, pois seu pai era um grande fazendeiro e eram as negras, geralmente filhas de escravos, que cuidavam da casa e das crianças.
A mulher retratada tem não só as pernas mas todo corpo cruzado, sugerindo uma proteção, fechando a região pélvica e da bacia. Está nua, sem adornos, nem sequer cabelos. A cabeça é pequena em proporção ao resto do corpo. Seu olhar é distante e a expressão indiferente, mas o enorme peito destacado à frente revela um feminino opulento. Seu colo é um berço, pronto para acolher qualquer bebê. A Negra de Tarsila é toda ela um grande seio. Talvez uma referencia à imagem da ama-de-leite, que muitas vezes, em tempos de escravidão, tinha o próprio filho vendido para que pudesse amamentar  o filho e/ou filha de seu dono. 


NOTAS:
1) Leia mais sobre Tarsila: www.tarsiladoamaral.com.br/historia.htm;
2) A Antropofagia aparece nas artes plásticas notadamente nas obras de Tarsila do Amaral. Segundo os integrantes do movimento, retrata uma assimilação crítica de traços culturais importados e sua "deglutição" pelos brasileiros. A referência ao ritual dos tupis de comer a carne de seus prisioneiros de guerra, com a finalidade de absorver sua força vital, era provocativamente utilizada para apresentar o caráter original da cultura brasileira, construída através da assimilação "antropofágica" daquilo que nos chega; 
3)  Continuação das postagens 125/126 deste blog.
4) A seguir: "Reflexões Lácteas", post.128.



126- A Via Láctea e o simbolismo do leite (2/3)


Dona das divinas tetas
Derrama o leite bom na minha cara
E o leite mau na cara dos caretas... (Vaca Profana, Caetano Veloso)
Fig. 1 - A deusa Háthor
A grande mancha branca, possível de ser vista no céu sem as luzes da cidade, foi chamada na antiguidade de "galáxia" (branco leitoso) pelos gregos e "via láctea"(caminho de leite) pelos romanos. O leite inspira muitas associações poéticas. Aparece em diversas culturas associado à fertilidade, ao conhecimento e à imortalidade. É o primeiro alimento, a primeira bebida. Contém em si potencialmente todas as formas de nutrição do ser humano, pois é semente, sêmen, além de também aparecer como canal de transmissão de conhecimento e elevação espirituais. O leite é ofertado nas libações, é canal iniciático. Através dele o homem conecta-se com outros planos. Maomé teria declarado que “sonhar com leite é sonhar com a ciência ou o conhecimento”.
A amamentação feita pela mãe divina é sinal da adoção e, em consequência, do conhecimento supremo. Assim como Héracles suga o leite da imortalidade no seio de Hera (1), o faraó amamentado por uma deusa alcança  através deste rito, uma nova existência inteiramente divina, de onde tirará força para garantir sua missão sobrenatural. Era também leite que se vertia sobre as 365 mesas de oferendas que cercavam o túmulo de Osiris, tantas mesas quanto dias do ano, e essas aspersões ajudavam o deus a ressucitar.
Ama-de-leite(2) do deus Hórus, a vaca Háthor (Fig. 1) é a deusa egípcia do céu e das mulheres, patrona do amor, da alegria, da dança e da música e também das necropolis. É uma deusa benevolente, adorada em várias regiões principalmente em seu templo de Dendera. Vaca tranquila que geralmente personifica o olho de Rá, usava um disco solar e duas plumas entre os chifres. Também era representada por uma mulher usando na cabeça o disco solar entre chifres de vaca, ou uma mulher com cabeça de vaca
Como todos os vetores simbólicos da Vida e do Conhecimento considerados como valores absolutos, o leite é um símbolo lunar, feminino por excelência, e ligado à renovação da primavera.

NOTAS:
1) Ver mais na postagem 125 "Via láctea, o caminho do leite (1/3);
2) Ver mais na postagem 127 "Via Láctea e as amas-de-leite (3/3);
3) Fonte: Jean Chevalier & A. Gheerbrant, "Dicionário de Símbolos". 


quarta-feira, 11 de março de 2015

125 - Via Lactea, o caminho de leite (1/3)



Na sua origem, galáxia era o nome dado pelos gregos à Via Láctea. O termo vem de gala, leite. O adjetivo galaktikos sugere o termo “branco leitoso”.
Os romanos chamaram de Via Láctea, caminho de leite, à impressão de que parte do céu contém uma estrada esbranquiçada, até hoje possível de ser vista no céu noturno sem as luzes da cidade.
O láctea latino deu origem a nomes como leite e laticínio.
Por muitos séculos,  galáxia e Via Láctea foram palavras sinônimas.  Com o avanço da astronomia que permitiu a descoberta de outras galáxias além da nossa, a palavra galáxia passou a ter  um significado mais genérico. Passou a definir qualquer grande sistema ligado gravitacionalmente, consistindo de estrelas, remanescentes de estrelas, um meio interestelar de gás e poeira e um importante mas insuficientemente conhecido componente apelidado de material escura. Via Láctea é o nome da galáxia da qual o Sistema Solar faz parte.

Via Lactea, Rubens


A ligação poética com o leite foi dada pela mitologia, que atribuía a formação da Via Láctea ao leite do seio de Hera, esposa de Zeus.
Para seduzir Alcmena, Zeus se disfarçou como seu legítimo marido, Anfitrião, que guerreava em Tebas. Para que ela não desconfiasse, o deus   narrou vários incidentes das batalhas. Foram três dias de amor, durante os quais Apolo  deixou de percorrer o céu com seu carro de chamas. Ao regressar, Anfitrião ficou surpreso com a acolhida da esposa e ela estranhou que o marido tivesse esquecido as noites de amor. Anfitrião ficou mais desconfiado quando ela demonstrou saber tão bem quanto ele alguns episódios das lutas que travou. Anfitrião consultou o adivinho Tirésias, que revelou o adultério. Enfurecido, o marido traído resolveu queimar Alcmena viva numa pira, mas Zeus fez descer do céu uma chuva que acabou com as chamas. Diante do prodígio, ele desistiu e aceitou novamente sua esposa. Alcmena engravidou de Zeus e também do marido. Deu à luz os gêmeos Íficles, filho de Anfitrião e Alcides, filho de Zeus. Como neto de Alceu, Hércules foi chamado de Alkéides, Alcides, até a realização completa dos seus Doze trabalhos. Somente após o término das provas impostas pela deusa Hera ele se tornaria a “glória de Hera”, Héracles. Os romanos o chamaram de Hércules. Quando Hércules nasceu, para torná-lo imortal, Zeus pediu a Hermes que o levasse ao seio de Hera e o fizesse mamar, quando esta dormisse. Uma variante diz que Alcmena, com medo da raiva de Hera, expôs a criança numa planície. Por ali passavam as deusas Hera e Atena  que, vendo o menino exposto, admiraram-lhe a beleza. Atena pegou o menino e o entregou a Hera, pedindo que ela desse o seio ao faminto. Héracles sugou o leite divino com tanta força que feriu a deusa. Hera o lançou para longe de si com violência, mas o leite da deusa continuou a jorrar e as gotas formaram um caminho pelo céu, a Via Láctea. Atena o levou de volta a Alcmena, garantido-lhe que podia criar o filho sem medo. 
Mas Hera sempre perseguiu Hércules. Quando ele estava com oito meses, ela enviou duas serpentes para matá-lo, mas Hércules as estrangulou. Quando homem, Hércules sobressaiu-se pela sua enorme força. A deusa, irritada com os êxitos do herói, enviou uma das Fúrias  para se vingar. Tomado de loucura, Hércules matou a própria mulher e os três filhos.Quando lúcido novamente, o desesperado herói foi consultar o Oráculo de Delphos sobre o que fazer para se redimir do crime. O Oráculo ordenou que servisse durante doze anos seu primo Euristeu. O rei, simpatizante de Hera, impôs-lhe perigosos trabalhos. Os Doze Trabalhos aos quais Hércules se submeteu representaram um longo trabalho de purificação para que renascesse um novo homem. E foi essa jornada que lhe assegurou a imortalidade, pois ele pôde subir ao Olimpo e viver entre os deuses eternamente.

FONTES:
wikipedia, a enciclopedia livre.
http://www.blocosonline.com.br/literatura/prosa/colunistas/sfirmino/sf0057.php.
Postagem 44 deste blog, "O Boi na Grecia (8/11), Hércules e o Touro de Creta", de junho de 2011.
Veja também a postagem 45 "Reflexões Heróicas, Somos todos heróis ao nascer".



124- O Pastoreio do Touro e as Etapas do Zen (3/3)


O TOURO E O EU SÃO ESQUECIDOS

Sumiram todos os sentimentos ilusórios e desaparecidas estão também as idéias de santidade. Ele não se demora (no estado de “eu sou um Buda”) e passa rápido (pelo estado de “e agora me livrei do orgulhoso sentimento de ser”) para não Buda. Mesmo os mil olhos (dos quinhentos Budas e patriarcas) não podem discernir nele qualquer qualidade específica. Se centenas de pássaros jogassem flores por sua casa, ele só se sentiria envergonhado. “Chicote, corda, touro e homem pertencem igualmente ao vazio.
Tão vasto e infinito é o céu azul que não há conceitos que o alcancem.
Sobre o fogo flamejante o floco de neve se funde.
 Quando este estado é realizado chega finalmente a compreensão do espírito dos antigos patriarcas.”





VOLTANDO A ORIGEM
Desde o começo, nunca houve nem um grão de poeira  (para bloquear a pureza intrínseca). Ele observa o crescer e decrescer das coisas do mundo, enquanto permanece sem esforço, num estado de tranqüilidade inalterável. Isto (o crescer e decrescer) não é ilusório nem fantasmagórico (mas a manifestação da origem). Por que, então, é preciso lutar por algum objetivo? As águas são azuis e as montanhas verdes. A sós, consigo mesmo, ele observa o mudar sem fim das coisas. “Ele voltou à origem, retornou à fonte primeira.
mas seus passos foram em vão.
E como se agora estivesse surdo e cego.
 Sentado em sua palhoça, não procura coisas de fora;
fluem de si mesmas as águas correntes,
flores vermelhas desabrocham naturalmente vermelhas.”



ENTRANDO NA PRAÇA DO MERCADO

O portão de sua palhoça está fechado. Nem o mais sábio pode encontrá-lo. O seu panorama mental finalmente desapareceu. Ele vai no seu próprio caminho, não fazendo tentativa alguma de seguir os passos dos antigos mestres. Carregando uma garrafa, passeia pelo mercado; apoiado num bordão, volta para casa. Conduz os donos de botequins e peixarias ao caminho de Buda. “De peito nu e descalço, dá entrada no mercado enlameado e coberto de poeira;
como sorri amplamente
sem recorrer a poderes especiais
faz com que as árvores ressequidas floresçam novamente.”



Os dez quadros do pastoreio do touro dizem respeito ao nosso desenvolvimento interior e possui também um significado mais amplo, pois neles se manifesta a busca da própria humanidade. Podemos também associar os quadros ao mito do filho pródigo do cristianismo. O filho pródigo “tendo dado as costas a sua verdadeira natureza”, se perde tal como o pastoreio do touro e perambula pelo mundo buscando a felicidade para, enfim, voltar e encontrá-la na casa do pai.
Os quadros representam nossa própria busca interior, pois todos temos que enfrentar nossos inimigos, que são as recordações, os hábitos e as repetições. É preciso que estejamos atentos a esses círculos viciosos e cansativos cujo peso impede que encontremos a paz e o repouso.

“Todo momento, esteja consciente e vigilante para não se apegar as suas percepções do universo e dos seres dentro dele como reais e sólidos. Treine a si mesmo para encarar tudo como um jogo de aparições irreais." (Patrul Rimpoche)

NOTAS:
1) Fonte ZEN-BUDISMO, Planeta especial,  188-A.
2) Agradecimento à indicação da amiga Claudia Leal.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

123- O Pastoreio do Touro e as Etapas do Zen (2/3)


DOMESTICANDO O TOURO

(Continuação da Postagem 121)
Com o nascimento de um pensamento, outro e outro mais nascem também. A iluminação traz à realização, pois estes pensamentos são irreais, já que não surgem de nossa verdadeira natureza. Somente porque a ilusão permanece, são os pensamentos tidos como reais. Este estado de ilusão não se origina no mundo objetivo, mas em nossas próprias mentes.
“Ele deve segurar o touro com força pela corda do nariz
e não permitir que vague sem cuidado.
Ele se torna limpo e claro. Sem cabrestos,
segue o dono por sua própria vontade.”






INDO PARA CASA MONTADO NO TOURO
A luta acabou, “ganho e perda” não mais afetam. Ele murmura canções rústicas dos montanheses e toca as cantigas simples da meninada da aldeia. Montado no lombo do touro, olha serenamente as nuvens que passam. Sua cabeça não se vira (na direção das tentações). Tente-se, como quiser, aborrecê-lo, e ele permanece imperturbável. “Usando um grande chapéu de palha e capa,
montado e tão livre quanto o ar,
ele alegremente vem para a casa através das neblinas do entardecer.
Aonde quer que vá, cria a brisa fresca,
enquanto que no coração prevalece a profunda tranqüilidade.
 O touro não requer nem um talo de capim.”




No dharma não há duas coisas. O touro e sua natureza original. Isso ele reconhece agora. A armadilha não é mais necessária quando o coelho foi capturado, a rede se torna inútil quando o peixe foi apanhado. Como o ouro separado da escória, como a Lua que apareceu entre as nuvens, um raio de luz brilha eternamente. “Somente com o touro ele pode chegar a casa
mas agora o touro desapareceu e só e sereno senta o homem.
O sol vermelho passa alto no céu enquanto ele sonha placidamente.
Lá embaixo do telhado de sapé jazem, sem uso, chicote e corda.”




(Continua na postagem 124)

NOTAS:
1) Fonte ZEN-BUDISMO, Planeta especial,  188-A.
2) Agradecimento à indicação da amiga Claudia Leal.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

122- Boi Arnaldo Antunes (Matadouro-Boi - 3/3)



Inspirado como um boi no pasto
Inspirado bem alimentado e casto
Inspirado como um boi sem saco
Pacato, capado sem pecado

Como um boi mascando seu amido
Tudo lindo e semi-adormecido
Som macio e gosto colorido
E o vazio lotado de infinito

Inspirado e gordo como gado
Carne fresca recheando o couro
Com um olho para cada lado

Inspirado como nenhum touro
Inspirado como um boi pesado
Esperando amor no matadouro 
(Inspirado,  de Arnaldo Antunes  e Edvaldo Santana

Arnaldo Augusto Nora Antunes Filho nasceu em São Paulo capital, em 1960. Cursou sem concluir a Faculdade de Letras da USP. Faz música, poesia e performances  desde 1980, de inicio como  integrante da banda Performática. Logo em seguida, foi líder de uma das mais famosas bandas brasileiras de rock: os Titãs, o que reforçou sua imagem na mídia como pop star. Disse ele: "sou um pouco tímido...desde sempre, talvez. Mas acho que trabalhar com música foi uma grande arma contra a timidez... Quando estou no palco, não represento papel algum. Sinto integralmente eu, só que é um eu que tem um sentimento catártico, baixa um santo que sou eu mesmo... Me alimenta muito fazer show."
Letrista e poeta, Antunes publicou varias antologias. É considerado  um dos autores mais talentosos  do movimento de poesia concreta.  Mas, segundo ele: "as coisas, vistas dessa maneira, ficam reduzidas. Tenho afinidade e admiração pelos poetas concretos e sou influenciado por suas obras. Também tenho influência de outras áreas, como por exemplo, da tradição de letras de músicas da MPB, da cultura pop, do rock and roll e de outras áreas da literatura. Acaba sendo engraçado, pois, não tenho nenhuma pretensão de equiparar minha poesia com a dos poetas concretos. O trabalho deles é mais  sofisticado..."
A partir de  1992, expande sua forma de expressão,  incorporando à poesia recursos da computação gráfica e vídeo. Lançou seu primeiro álbum-solo Nome (1993), acompanhado de um vídeo e um livro, compondo um projeto multimídia com poesia, música e animação em computador. A partir de então,  esses diálogos entre diferentes linguagens começaram a ser a cada vez mais constantes em sua obra.
Multimídia , multifacetado, inspiração foi o que nunca faltou a Arnaldo Antunes.  Seu olhar é  instigante, transgressor de lugares comuns. E  lugar comum é o que não falta, até pra hora da morte. Em Inspirado, Arnaldo é o boi no matadouro esperando o amor.
"Eu trabalho com criação , desejo experimentar, questionar o gosto comum, ampliar e, de alguma forma, alterar a sensibilidade das pessoas. Porque só trabalhar no terreno da redundância não tem graça."

Notas:
1) Aqui neste blog, outros artistas que se inspiraram no tema Boi-Matadouro: Cora Coralina (postagem 119) e Ronald Duarte (postagem 120);
2) Referencias:
ANTUNES, Arnaldo. Nome. São Paulo: s.n., 1993. 108 p., il. color;
Estado de S. Paulo – Zap!, Julio Cesar Caldeira, Renata De Grande e Ludmila V, 1999;
3) https://www.youtube.com/watch?v=kAN7rC4DgDM
4) Agradecimento especial à Sonia Hirsch pela inspiração.